Nem me lembro mais quando foi que li, pela primeira vez, o trecho em vermelho deste poema que foi por muito tempo atribuído ao escritor russo Maiakóvski mas foi, na verdade, escrito pelo brasileiro Eduardo Alves da Costa.
Transcrevo aqui todo o poema, lembrando ainda que foi escrito em 1964, em plena ditadura militar.
Assim
como a criança
humildemente
afaga
a
imagem do herói,
assim
me aproximo de ti, Maiakóvski.
Não
importa o que me possa acontecer
por
andar ombro a ombro
com
um poeta soviético.
Lendo
teus versos,
aprendi
a ter coragem.
Tu
sabes,
conheces
melhor do que eu
a
velha história.
Na
primeira noite eles se aproximam
e
roubam uma flor
do
nosso jardim.
E
não dizemos nada.
Na
Segunda noite, já não se escondem:
pisam
as flores,
matam
nosso cão,
e
não dizemos nada.
Até
que um dia,
o
mais frágil deles
entra
sozinho em nossa casa,
rouba-nos
a luz, e,
conhecendo
nosso medo,
arranca-nos
a voz da garganta.
E
já não podemos dizer nada.
Nos
dias que correm
a
ninguém é dado
repousar
a cabeça
alheia
ao terror.
Os
humildes baixam a cerviz;
e
nós, que não temos pacto algum
com
os senhores do mundo,
por
temor nos calamos.
No
silêncio de meu quarto
a
ousadia me afogueia as faces
e
eu fantasio um levante;
mas
amanhã,
diante
do juiz,
talvez
meus lábios
calem
a verdade
como
um foco de germes
capaz
de me destruir.
Olho
ao redor
e
o que vejo
e
acabo por repetir
são
mentiras.
Mal
sabe a criança dizer mãe
e
a propaganda lhe destrói a consciência.
A
mim, quase me arrastam
pela
gola do paletó
à
porta do templo
e
me pedem que aguarde
até
que a Democracia
se
digne a aparecer no balcão.
Mas
eu sei,
porque
não estou amedrontado
a
ponto de cegar, que ela tem uma espada
a
lhe espetar as costelas
e
o riso que nos mostra
é
uma tênue cortina
lançada
sobre os arsenais.
Vamos
ao campo
e
não os vemos ao nosso lado,
no
plantio.
Mas
ao tempo da colheita
lá
estão
e
acabam por nos roubar
até
o último grão de trigo.
Dizem-nos
que de nós emana o poder
mas
sempre o temos contra nós.
Dizem-nos
que é preciso
defender
nossos lares
mas
se nos rebelamos contra a opressão
é
sobre nós que marcham os soldados.
E
por temor eu me calo,
por
temor aceito a condição
de
falso democrata
e
rotulo meus gestos
com
a palavra liberdade,
procurando,
num sorriso,
esconder
minha dor
diante
de meus superiores.
Mas
dentro de mim,
com
a potência de um milhão de vozes,
o
coração grita - MENTIRA!
Eduardo Alves da Costa
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